quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Proseando...


Contos do céu e da neve. Parte III

  
 Sim! A coruja e o urso estavam juntos, afinal. Dividindo o mesmíssimo espaço! Romperam a barreira entre o céu ilimitado e a terra gelificada. O que resultou em um novíssimo tipo de sorriso que sobressaltava na corujinha. Foi mesmo algo surpreendente que o gigante se despusesse a subir a árvore e tocar a face da pequena ave pela primeira vez, ela pensou. Quase não acreditara em sua sorte. Ela realmente não mais contava com isso.

   Neste momento, então, toda desesperança da ave foi substituída por um novo nível de amor, onde o seu pequeno coração ainda batia descontroladamente, mas, desta vez, de um nervosismo súbito. Ter alguém tão especial a tão curta distância causa inconsistências nas batidas cardíacas, como todos sabemos, principalmente a corujinha naquele momento.

   Tempos se passaram e a emoção permanecera a cada visita, sentimento este que a pequena ave foi se acostumando, de certa forma. Até por que, no decorrer dos dias, o momento onde os dois seres dividiam aquele galho mais grosso da mesma árvore foi se tornando corriqueiro, quase que ordinário... E esta foi a nova rotina da coruja, onde as visitas diárias permaneciam, mas o que diferia era em como, agora, era recebida.

   E assim seguiam seus dias: religiosamente na mesma jornada de encontrar com seu grande amor! Estar ali era tão importante que a fazia ultrapassar toda a dor que isto lhe causava, uma vez que era impossível não notar suas asas pesadas e quebradiças. Sem tempo para se recuperarem do congelamento que esta aventura frequente lhe causava, suas asas estavam cada vez mais danificadas. A coruja notava o que acontecia, porém ignorava!

   O tempo não parava, o ano corria e o inverno, naquele local, nunca passava. Os sacrifícios da coruja, entretanto, eram diários, e ela fez uma pergunta antiga e recorrente, questionando o gigante polar sobre a possibilidade de ele visitá-la vez ou outra na floresta. Ele sempre dissera que não poderia ir tão longe, que seu lugar era ali. Ali, né? Como se ela não tivesse um lugar para chamar de seu, mas que simplesmente resolvera abrir mão pouco a pouco a cada dia. Apesar de seu sofrimento interno, ela nunca quis que ele soubesse...

  O urso sempre desconversava, afinal. Mas os corações apaixonados são deveras tolos e não ouvem a uma palavra sequer da razão.  Mas a razão, neste dia, resolveu que era hora de gritar aos pés dos ouvidos da coruja e, desta vez, a pequena ave não pôde ignorar. Queria que o urso conhecesse mais da sua vida, queria que ele a entendesse de verdade. Ela era um pequeno e frágil ser que queria que o gigante observasse um pouco mais fundo e lhe amparasse e queria também que ao menos um dia não tivesse que expor suas penas ao frio extremo.

  A corujinha pensava que o amor seria capaz de equilibrar os sacrifícios, quando eles existissem. Mas, como constatamos, tolos são os corações apaixonados. Acreditam que sua devoção é sempre espelhada. E, depois de tudo o que fizera, a pequena ave percebeu que o urso não estava disposto a tanto. Que ele se contentara com a conversa em uma árvore fria e não havia a possibilidade que eles compartilhassem de fato, e até para sempre, um mesmo mundo.

    Sim... Ela sabia que era impossível. Mas considerava que o amor, sentimento forte como dizem, fazia morada nas impossibilidades e poderia romper qualquer barreira. E, afinal, eles não estavam tão próximos? Um ser dos céus, sem fronteiras, e um ser da neve, com uma imensidão nívea a desbravar, estavam ali, juntos, dividindo o mesmo local neste imenso mundo! Quão impossível teria sido? Resolveu, a coruja, que já havia chegado ao limite de suas próprias impossibilidades.

     No fim daquela tarde, como de costume, a corujinha despediu-se do urso. Ele notou um filete de tristeza em seu olhar e chegou a perguntar para a ave o que a afligia. Ela sorriu e disse: “Não é nada!” Frase tão conhecida por todos nós. Todos sabemos o que ela significa, de fato! Porém são poucos os que têm a coragem de se aprofundar nela. O urso não seria um deles... Não teria essa coragem! Despediu-se, apenas, da corujinha, pois sabia que ela retornaria no dia seguinte. Chegou a falar que marcariam a data para ele visitá-la na floresta!


     Não há final feliz por aqui, como você bem sabe! Estaríamos cometendo um grande erro se desejássemos por isso, afinal não existe uma gota sequer de felicidade alicerçada por uma mentira, e tanto a ave quanto o urso sabiam que não havia qualquer pincelada de verdade na promessa feita à pequena, e novamente maltratada, coruja.

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