Passageiros
Todos tivemos grandes amores na
nossa vida. Uns permanecem para todo o sempre. Os que não o fazem, só significa
que permaneceram o tempo que era necessário. As vezes eles simplesmente passam,
formando, assim, o ciclo inexorável da vida, repleta de encontros e
desencontros, forçando o nosso amadurecimento e autoconhecimento.
Ela teve vários amores (tal qual
muitos de nós), mas ela teve esse! Um amor enorme que não cabia no peito e que,
infelizmente, rompeu-se. Ela e ele ficaram bem, depois da separação, e
mantiveram o contato sempre que possível. Às vezes ela o admira de longe, às
vezes gostaria que ele ainda estivesse por perto. É um amor verdadeiro que
aceita tudo, inclusive a distância.
Certo dia, um toque à sua porta e ela foi atender.
Quando abriu, era ele. Ela o viu e respirou tão profundamente a ponto de se
surpreender com a quantidade de ar que poderia caber em seu pulmão. Isso ao
mesmo tempo em que seu coração e a própria respiração simplesmente pararam. Coisas
que parecem impossíveis mas são reais, a gente sabe disso! E ele estava outra
vez diante dela e ela estava completamente sem reação, tamanha era a sua
surpresa.
Os olhos dele, que estavam
voltados para baixo, foram subindo devagarinho e olharam-na novamente, naquela
noite fria de janeiro. Há quanto tempo que seus olhares não se encontravam
assim? Ela procurou em sua memória mas nada estava acessível naquele momento,
principalmente porque o que ela viu no olhar dele era de uma profundidade que
somente uma grande tristeza pode trazer.
Ela percebeu, de pronto, que seus
olhos precisavam ser abraçados. Pediu para que ele entrasse. Fê-lo sentar e foi
preparar um chocolate quente, como nos velhos tempos, mesmo sob os protestos emanados por ele. Queria confortá-lo e faria tudo o que estivesse ao seu
alcance.
Ao sentar em frente a ele e
oferecer-lhe o chocolate recém feito – que ele acabou aceitando, ela pôde
constatar que ele a olhava com olhos de tristeza, uma desolação tão profunda
que só poderia ter um motivo: a perda de um amor! Ela não quis perguntar nada.
Esperou pelo tempo dele. E ele, olhava a casa, parecendo que ele a estava
avaliando, mas, na verdade, ele só olhava o vazio, várias e várias direções de
vazio. Por vezes ele olhava para ela, sem que necessariamente a visse.
Depois de vários olhares para o
aposento e poucos goles de chocolate, ele disse simplesmente: “Meu grande amor
se foi!”, o que talvez nem necessário fosse, era quase óbvio que se tratava do martírio de uma quebra, de um fim. Aos poucos, acanhado e sofrido, ele foi contando o
desenrolar da história, de como ele amava certa pessoa, de como haviam vividos
momentos felizes e de como ela tinha ido embora de repente, deixando-o sem
explicações e com o coração esfacelado. Por algum motivo ele escolhera ela para
dividir esse momento e ela não ousaria questionar.
Apesar da distância que os
envolvera há tempos, seus laços sempre permaneceram e havia uma facilidade de
comunicação e compreensão entre os dois há muito esquecida, por ambos. Aliás,
talvez ele tenha se recordado disso e isso o teria feito entrar por uma porta
que não mais visitava. Ela, por outro, estava surpresa e assustada,
esforçava-se para não demonstrar nada que o fizesse se questionar da decisão
que o levara até ali. Ele procurava por um suporte, e ela o seria, de bom grado.
Mas... O que se faz diante disto?
Ela se perguntava. Que conselhos dar à uma alma que chora a perda de um amor
verdadeiro? Perder para a vida, perder para a morte... Perdas são perdas, é o
cortar a sangue frio um pedaço de nosso próprio coração, de nossa essência. É
tirar uma parte de nós... Ela deu o melhor de si, tentando manter a razão em
meio a tanta emoção envolvida. Queria ser justa, mas não queria lhe dar falsas
esperanças. Queria ser verdadeira mas de maneira nenhuma, cruel. Ela falou e o
aconselhou como pôde, como somente os melhores amigos são capazes de fazer.
Escutava e falava. Falava e escutava. O chocolate fora abandonado por ambos e
ninguém se preocupava com isso. Um vínculo estava formado novamente e ela o
ajudaria tanto quanto pudesse.
E a despeito de todo o esforço
que ela fazia para se conter, suas lágrimas rolaram no momento em que as dele,
enfim, alcançaram o mundo exterior. As dele, claro, vieram aos montes, pois
estavam enjauladas durante toda a conversa, empurrando as grades em busca de
liberdade, enfim encontrada. As dela, todavia, foram silenciosas, sorrateiras e
vinham solitárias, uma a uma. Nesse momento não havia mais nada a ser dito,
então, as lágrimas de um e de outro se encontraram e se misturaram em uma única
poça de emoções quando do abraço apertado em que os dois mergulharam.
Ela o amava tanto e era tão
doloroso vê-lo daquele jeito. Queria simplesmente tirar toda a dor que consumia
o coração dele e mandá-la para longe para nunca mais voltar. Mas quem, afinal,
nunca viveu a perda de um amor? O amor, de certo, é para ser vivido enquanto dure,
como já dizia o poeta. E nada dura para sempre. Ora ou outra a perda
sobressairá ao amor. A distância ou a morte acabam sempre separando corações. A
dor é excruciante, devastadora, mas ela passa! As tristezas passam... Assim
como as alegrias. Não é assim que se vive, afinal?
Depois de um bom tempo juntos,
ele resolveu que era hora de partir. Ela poderia querer que ele ficasse mais,
mas sabia que ele também precisava ficar sozinho para reorganizar seus
pensamentos. Disse a ele, quando da despedida, enquadrados pela porta da frente
de sua casa: “O tempo trará calma e conforto a seu coração, meu querido”, e o
abraçou mais uma vez. Era bom e reconfortante tê-lo em seus braços novamente, apesar
da ocasião tão atribulada.
Mas, afinal, se estavam falando
sobre a vida, ela mesma já havia entendido que as pessoas que se amam são
separadas, por vezes, por tempos, por vidas... Então aproveitou este momento de
reencontro, imaginando se o teria tão perto alguma outra vez. Ela assistiu à
partida dele, ainda preocupada mas consciente de que ele tinha forças para
superar e, de certo, assim como todos nós somos forçados, sobreviveria a esta
dor.
O amor é assim: continua existindo não importa a distância entre os amantes! Ele é feito de permanências e
partidas, coração inteiros e em pedaços, vida e morte. Percebeu que ele também
a amava, mas a vida quis assim, que estivessem separados. Ela o acompanhou de
longe, junto com sua melhora paulatina, porém, eficaz. Ela sabia que ele não esqueceria
daquele amor perdido em um janeiro já distante e sabia que talvez houvesse um reencontro dali para frente, ou talvez não. Vendo-o, à distância - o coração dele cicatrizado, o coração dela consciente - , pensou consigo mesma: “Nós talvez nos reencontremos daqui para
frente... Talvez não...”