Contos do céu e da neve. Parte IV. Parte final.
O urso resolveu plantar uma
semente de esperança no coração da pequena coruja em sua última despedida,
achando que isto lhe faria mais animada. A esperança, de fato, é um sentimento muito
forte, contudo, usado concomitantemente com uma mentira, pode ser cruel...
A ave, entretanto, carregava em
seu olhar de adeus a certeza de que nunca mais veria o seu grande amor. Sabia
que aquele adeus era definitivo! Decidida estava de não mais regressar, pois,
notara, era dona de uma felicidade incompleta e insuficiente para ela, afinal.
Queria encontrar o contentamento pleno e deveria, então, procurar em outro
lugar... Talvez mais perto de casa, certamente em outro olhar.
Doloridamente fez da sua
despedida de hoje, a última. Sabia que não mais valia insistir e não queria
dificultar ainda mais as coisas para si mesma. Com um sorriso falso no rosto e uma
última carícia das mãos felpudas do urso que tão grandes eram, quase a envolviam
por completo, impulsionou-se no galho que sustentara tantas e tantas vezes
esses dois seres da paradoxalidade.
Mas isso era o que a coruja
sabia: que era sua última despedida daquele gigante da neve que lhe aquecia o
coração. O que ela não sabia é que esta seria a última despedida da sua vida.
Não porque encontraria alguém do qual ela não mais precisaria se despedir.
Quisera eu ter este final para lhe contar... O amor que a coruja teve pelo
urso, todavia, terminaria em tragédia, bem como os maiores amores o são! E as
lágrimas que embaçavam a visão da corujinha pelos ares ajudou este pequeno ser
a não encarar o seu destino final.
Quando a coruja começou o seu
voo, não percebeu que suas asas estavam congeladas demais, machucadas demais
para fazer a viagem completa. Ainda conseguiu, com muito esforço, alcançar o
início da floresta. Estava tão desnorteada que acreditava que toda a sua
dificuldade se dava por sua tristeza mórbida. Usava toda a força que possuía,
mas que era insuficiente para manter seu corpo no ar.
As asas pararam, afinal. Não mais
batiam. Achou que era o seu coração. Fechou os olhos que nada viam e
entregou-se à sua sorte. E, diferente do que a pequena ave pensava, seu coração
atormentado ainda batia. Mas somente até o momento em que seu mergulho fatal
chegou ao fim. Ao tocar sem nenhuma delicadeza o solo da floresta, suas asas
congeladas se estilhaçaram no chão e por considerar que seu coração já estava
em pedaços há tempos, a coruja sequer percebeu a dor da morte que, ao menos
posso lhe dizer, foi instantânea.
Este foi o fim da pequena ave:
não mais visitou lugares gélidos e, tão pouco, voltou a alcançar a infinitude
dos céus. Sequer pôde viver o grande amor que sempre sonhou... Talvez este
tenha sido o fim que o destino traçou como o melhor para a corujinha, que já
não teria forças para suportar outras angústias. Teve um encerramento cruel,
mas que a livraria de todas as outras dores do amor. E, caso você não saiba - sinto
ser eu a lhe dizer - este é o amor, afinal... Sempre há quem, de uma forma ou
de outra, morra!