Contos do céu e da neve. Parte
II
E lá estava a pobre corujinha
nutrindo um sentimento tão grande por algo inalcançável. O amor tem dessas
coisas, afinal... Parecer-nos possível e tangível algo que, na verdade, não é! E
motivada por essa crença, dia após dia, a pequena coruja fazia um trajeto
tortuoso cruzando fronteiras até alcançar aqueles galhos secos e congelados de
uma árvore muito específica, pois o que ela buscava, na verdade e acima de
tudo, era encontrar aquele olhar que, em meio à imensidão invernal, era o que
lhe aquecia o coração.
Este olhar vinha de um urso que,
talvez por pena, talvez por afeição, passou a demorar-se um pouco mais em seus
momentos de descanso junto à sua arvore, local onde, agora, a coruja
diariamente pousava. O que virou a rotina àqueles dois estranhos que se
encontravam e conversavam horas a fio sobre seus mundos tão diferentes.
Bastante tempo se passou - o que
não era notado porque onde o urso morava o inverno não tinha fim. Entretanto,
foi um tempo suficiente para que a corujinha acreditasse que o coração do urso
a pertencia por completo, tão qual o seu pequeno coração alado já o tinha como
dono. Mesmo que outrora relutasse em ceder seu coração, desta vez sequer teve
escolha, pois este se rendeu por completo rumo ao desconhecido.
Acontece que a cada dia que a
coruja dedicava àquele local gelificado, um pouco mais de suas penas
congelavam... Na maioria das vezes ela não se importava, pois queria mesmo era
fazer-se presente naquele momento tão precioso em que o urso lhe dedicava
atenção. Em outras vezes, entretanto, quando o mal estar das pequenas feridas
era grande demais, ela a ignorava.
Porém, a dor que começava a ficar
insuportável era a de perceber que a única coisa que recebiam um do outro eram
as suas vozes, confissões e risadas. E a
corujinha, apaixonada pelo impossível como estava, percebeu que isto não mais a
satisfaria! Notou que mesmo atravessados quilômetros e mais quilômetros todos
os dias, não conseguiriam quebrar a pequena distância de uma árvore morta, já
que a ave pousava em seu topo e o gigante polar pertencia à sua base.
Quando esse pensamento ficou
forte o suficiente em sua cabeça, a coruja decidiu dividi-lo com o urso, pois
esta era a única dor que ela não conseguiria suportar. Mas, no momento em que o
fizera, derramou por sobre o momento não somente as palavras que lhe sufocavam.
Junto com elas, a coruja permitiu que saíssem lágrimas e mais lágrimas que abriram
caminho por entre seus olhos timidamente fechados e escorreram por suas penas.
Pequenas gotas que lhe percorriam
o corpo e que não alcançavam o chão, pois congelavam pelo meio do caminho,
mesmo que o trajeto fosse percorrendo um corpo quente de respiração ofegante. Quando
ela decidiu que já era hora de partir, possivelmente para sempre, ela sentiu –
antes mesmo de ver – as mãos do urso que colhiam as lágrimas antes que
atravessassem o corpo da ave ou que virassem cristais de gelo.
Quase não acreditou! O urso
escalara a árvore seca e, por um segundo eterno, os dois seres se tocaram pela
primeira vez. A surpresa da coruja foi tão grande que suas lágrimas cessaram imediatamente,
enquanto seus corpos dividiam o mesmo horizonte, afinal... E foi quando a
corujinha não mais se incomodou com o sacrifício que fazia para estar ali todos
os dias. Não se importou com suas penas congelando dia após dia, porque agora
os olhos eram nos olhos e o toque era possível!
Mas não se anime e não espere por
um final feliz... Afinal de contas, como pode ser feliz o que termina em tragédia?