Insone, insana
Ao terminar as páginas do livro que havia pegado despretensiosamente
para ler naquela noite, ela se surpreendeu com as lágrimas que escorriam pelo
seu rosto. A personagem principal morrera e ela assustou-se por ter se identificado
tanto...
Há tempos não lia, apesar de gostar muito. E, naquela noite,
ela escolheu aquele livro que lhe trouxe aquela sensação. Não é raro que
pessoas identifiquem-se com livros e com as personagens trazidas por eles. Mas
o que fez com que ela se identificasse com este em particular não tinha sido a
vida da personagem e sim a sua morte. A figura fictícia havia se suicidado!
As lágrimas que lhe molharam o rosto eram de solidariedade
porque, há muito, ela compreende os suicidas. Ela sabe que não há medida para a
dor e que há dores tão insuportáveis que o único pensamento sobressalente é extirpar
o tormento impetuoso. A vida que se vai junto é mera consequência.
Algumas pessoas não percebem, mas um arranhão para uns pode
ferir fatalmente outros. E, há tempos, ela percebeu que suas dores eram
maiores. Não porque seus problemas eram únicos, mas simplesmente porque ela os
sentia com uma intensidade superior. Seu corpo se tornava supérfluo, tornando-o
suscetível a qualquer violência. Qualquer flagelo era possível e aceitável para
mudar o foco da dor.
Nem todos entendem isso. Mas ela sim, e por isso
tamanha identificação com a personagem que tirou sua própria vida. Porque ela não
mais julgava os suicidas. Não mais desde que os remédios que sempre usou para
acalmar seus nervos tornaram-se demasiadamente sedutores. E se ela tomasse toda
a cartela, de um por um, e fosse dormir? Dormiria para sempre? Ela só queria
dormir... Para sempre!
Talvez ela não devesse ter lido naquela noite! Mas o
problema não estava no livro, tampouco em sua personagem. A este tempo, as
lágrimas já haviam secado. Ela ignorou o livro, ignorou seus remédios, ignorou sua
dor pungente e preparou-se para dormir. Mas não dormiria para sempre. Não esta
noite.