sábado, 23 de janeiro de 2021

“Novo Normal”

        Em meio à pandemia do Novo Coronavírus surgiu a expressão do “novo normal”, altamente conhecida e difundida pelos meios de comunicação. É uma expressão autoexplicativa e significa, simplesmente, que o mundo não voltará ao ‘normal’ que conhecemos, e teremos que aprender a lidar com um hábitat diferente, e este novo ambiente será o “novo normal”.

        Mas, sinceramente, essa expressão me incomoda muito, porque não sinto que ela é propagada como um período transitório, mas, ao contrário, parece que todo mundo já se acostumou com uma ideia de mudança de rotina permanente, definitiva. E pensar que nosso cotidiano será assim me sufoca mais do que a máscara obrigatoriamente assentada em meu rosto!

        Sabe aquele filmes pós-apocalípticos em que a humanidade conseguiu, enfim, destruir o planeta e as pessoas precisam viver entocadas e ao sair, cobrem seus corpos e rostos porque tudo, até mesmo o ar, é um perigo à vida? Pois é essa sensação que a expressão “novo normal”, da maneira que é dita, causa-me. A sensação de “acostume-se pois daqui por diante será assim”. E eu não quero acreditar que o ‘normal’ será um mundo frio e mascarado.

        Eu não quero que seja considerado normal um mundo em que os meus sorrisos jazerão encobertos por máscaras de dupla camada. Não considero normal usar uma engenhoca de plástico que possui dois pares de braços disformes para abraçar quem eu estimo. Não é nada normal, para mim, não poder estar na companhia de meus amigos. Não quero ter medo de tocar, sentir, cheirar, amar. Tudo isso seria NOVO, certamente, mas jamais seria NORMAL.

        O normal não deveria pertencer ao mesmo contexto que máscaras, luvas, álcool 70, água sanitária e isolamento social. Nós não deveríamos confundir normalidade com os cuidados que devemos ter enquanto a crise, pela qual passamos, não se extingue. Um normal novinho em folha não deveria ser sufocante e assustador. Isto não é normal: é fatalidade, é tragédia! E tragédias, por mais sequelas que deixem, são passageiras.

     Não estou aqui dizendo que devemos despir nossas máscaras imediatamente, parar de nos besuntarmos de álcool em gel e irmos todos às ruas nos aglomerarmos à vontade. O que quero mesmo dizer é que não devemos nos satisfazer com, e até esperar, esse tal “novo normal”. Devemos ansiar voltar àquele normal normal, sabe? Aquele normal regular, ordinário, do dia a dia, cheio de mesmice, que às vezes até entedia a gente.

        Precisamos acreditar que cada passo que damos, em meio a esta pandemia, é necessário para que passemos por esse momento, repito, transitório e, depois de tudo, mesmo que demore mais do que gostaríamos, voltaremos ao NORMAL! Que de NOVO, apenas deve possuir mais empatia, mais amor, mais respeito, mais experiência. Porque uma tragédia como essa deve servir para que evoluamos: dela remanescerão muitas cicatrizes e também muito aprendizado!

            Que o novo normal traga consigo fôlegos renovados e sorrisos mais verdadeiros depois de terem ficado tanto tempo aprisionados em máscaras; que os apertos de mão sejam mais firmes e sinceros depois de doses cavalares de desinfecção; que os abraços sejam mais sinceros quando os corpos puderem dividir o mesmo metro quadrado; que os beijos sejam mais calorosos quando as salivas puderem se misturar novamente; e depois de entendermos, nova e veementemente, como a vida é frágil, que o amor seja mais genuíno!

        Esse sim é o novo normal onde devemos colocar nossas expectativas e pelo qual todos devemos, diariamente, almejar. Cuidemos de nós, tomemos todas as precauções hoje necessárias, porque cuidando bem direitinho da gente, a gente cuida de todas as outras pessoas. Somente assim poderemos superar esse momento terrível, mas passageiro, e encontrar ali na frente não um “novo normal” cheio de medidas restritivas, e sim o bom e velho normal. Só normal mesmo!



domingo, 29 de setembro de 2019

Momento poesia

Sonha (dor)

Tantas lembranças e muitas saudades
Tudo pelo o que passou e o que ainda viverá
Um mundo dentro de si, e mesmo que tentasse
Para ele, simplesmente era impossível sonhar

Noites e noites e noites se passavam
E ao fechar os olhos, somente escuridão
Sonhar era mais difícil do que imaginara
Na madrugada silenciavam alma e coração

E meus olhos indagavam: - Como pode não sonhar?
Porque se fosse possível compartilhar utopias
Entregar-lhe-ia as minhas, sem sequer pestanejar...

Enquanto eu imaginava que sonhos ele haveria de ter
Ele, por sua vez, segredou-me, enquanto sorria:
- Só quero sonhar se for com você!

domingo, 13 de agosto de 2017

Proseando...

     Chuva

     Ela primeiro escutou o barulho da água que caía do céu e isto a levou até sua janela, no sexto andar. Sentiu, então, o cheiro da chuva que entrava por uma pequena fresta entre os vidros escurecidos. Passava um pouco da meia-noite e, como ela não conseguia dormir, foi sentir as pequenas gotas lhe tocarem o rosto, vindas com o vento frio que adentrava o seu apartamento.
    
    Sempre achara a chuva poética. Gostava de fechar os olhos e deixar-se envolver... Por alguns minutos, tudo se resumia ao maravilhoso êxtase de imaginar as pequenas gotas de água que limpavam a superfície da terra. Quase quis ir até a sacada e deixar-se molhar. Uma lavagem de alma que somente a chuva é capaz de fazer! Um sentimento, entretanto, prendeu-a junto à janela, provavelmente trazido pelas gotas que escorriam no vidro à sua frente e agravado por sua solidão insone: era saudade.
    
     Veio à sua mente - tão assim de súbito - um amor antigo, cheio de encontros, mas que acabou em um desencontro. Um amor de uma vida toda e para toda a vida. Um amor separado pela distância dos corpos e talvez das almas, mas não de corações. Desejou, naquele momento, estar nos braços daquele amor novamente e se sentir amada e aquecida nesta noite chuvosa. Mas isso não seria possível, dessa vez.
      
     Foi inevitável que relembrasse toda a sua trajetória com aquele que foi o seu grande amor. Lembrou do quanto admirava seus olhos verdes, do quanto eles emanavam sabedoria e segurança. No início, ela se sentia pequena quando encarava aqueles olhos, mas eles lhe sorriam com a grande bondade provinda do coração dele. Lembrou-se das mãos dela entrecruzadas nas dele e de como ele a segurava firme levando-a para conhecer o mundo. Lembrou das muitas noites que passavam em claro jogando conversa fora ao som de músicas velhas e risadas novas.
      
      Nem tudo eram flores, claro. Ambos eram muitos geniosos e não teve como não lembrar das brigas homéricas que teve com ele... Lembrou de muitas lágrimas derramadas e de como, depois de um tempo, sentiu-se deixada de lado por outras prioridades na vida dele. Lembrou que ele também sabia ser cruel e chegou a feri-la algumas vezes com palavras bem afiadas que lhe saltavam aos lábios. Por ser escritor, palavras eram a especialidade dele, as afiadas, inclusive. E estas talharam muitas e muitas vezes o coração dela - que ainda carrega as cicatrizes.

     Por tempos ela esteve ao lado dele, um ele que poderia ser duas pessoas distintas: o poeta da mais profunda sensibilidade que acreditava nas pessoas e em um mundo que sempre poderia ser melhor e o disciplinador severo demais e seguro demais de si mesmo, que tudo sabe e não comete erros. Mas, compreendendo que todos nós lidamos com duas, ou até mais, personalidades dentro de nós mesmos, ela sempre tentou entender e lidar com a inconstância dele e, verdade seja dita, nem sempre conseguiu.
    
    Mas do amor que ele sentia por ela, ela nunca teve dúvidas. Tampouco do sentimento que ela própria carregava e dedicava a ele. Isto fazia os dois, depois de qualquer tormenta, reconciliarem-se e passarem novas noites em claro curtindo a lua e as estrelas. Só que, com o tempo, as rachaduras foram se alargando e foi ficando cada vez mais difícil manter a estrutura sólida, pois o relacionamento desmoronava aos poucos e, de trinco e trinco, sucumbiu.
     
     Tudo terminou bem: ele houvera decido seu caminho desde sempre e ela tinha projetos diferentes, e foi inevitável que cada um fosse para o seu lado. Ela não podia negar que desejou com todo o seu coração que ele tivesse escolhido ficar com ela para poder ajudá-la sempre que ela precisasse, evitando que ela se sentisse tão sozinha. Entretanto, há muito ele demonstrava que o rumo dele era outro e o amor que ele sentia por ela não foi suficiente para oferecer o abrigo e a segurança que ela queria e necessitava.
     
     Ela, de certo modo, compreendeu, pois não poderia privar ninguém de seguir os seus sonhos. Ela o amava demais para fazer isso com ele e, independente do quanto seria difícil para ela enfrentar o mundo sozinha, ela entendeu que este seria o destino dela. Findou-se um relacionamento de algumas brigas e de muita cumplicidade, e/ou vice e versa. Sabia que dali em diante não poderia mais esperar pelas músicas que ele colocava para tocar nas manhãs de domingo e nem pelas experiências culinárias malucas que somente ele era capaz de preparar. Estava sozinha aos domingos... estava sozinha ao mundo!
       
      Um trovão rompeu os céus e a tirou de seus devaneios profundos. A chuva lá de fora se intensificara, talvez, pensou ela, para combinar com a tempestade que iniciara dentro dela. Não sentia mágoa ou rancor por ele. Não mais. Só sentia amor e, é claro, saudades. Desejou que ele alcançasse os sonhos dele. Desejou que ele encontrasse a felicidade. E desejou que em alguma outra noite, chuvosa ou não, ele viesse ao encontro dela.
     
      Visualizou novas imagens em sua cabeça. Não mais do passado, quem sabe do futuro… Nessas imagens, ela e ele se abraçariam durante vários minutos. Ela veria seus olhos verdes novamente e eles estariam cheio de histórias para contar. Eles colocariam uma boa música, fariam uma comida improvisada, ela contaria sobre a vida que tem vivido e ele falaria sobre as próprias andanças. Talvez eles chorassem com lembranças e histórias porque são muito chorões, mas, também e de certo, ririam muito e seriam cúmplices novamente.
     
     Foi uma cena boa de ser vista e isto a fez sorrir, mesmo com as lágrimas lhe trespassando o rosto. Olhou por mais uns minutos a chuva carregada de seus cheiros e ventos gélidos. Hoje ela dormiria consciente de que a cidade estava encharcada, assim como o seu coração. O que não teria problemas, foi a chuva que tocou e molhou a sua alma, afinal. Decidira que já era hora de tentar dormir novamente. Sentia a falta dele todos os dias, isto não podia negar e, antes de fechar a janela, que ainda estava ligeiramente aberta, deixou sair pela fresta um quase inaudível, mas certamente verdadeiro, “eu amo você… sempre!”.


segunda-feira, 17 de julho de 2017

Momento Poesia!

Quero sentir as tuas mãos em meus cabelos
 Assanhando e embaraçando o meu juízo
Quero sentir-me pequena

Quero sentir a tua voz na minha espinha
Arrepiando todos os meus sentidos
Quero sentir-me plena

Quero sentir o pulsar do teu sangue
Quando teu corpo se entrelaça no meu
Quero sentir-me serena

Quero sentir o meu coração congelar
Quando sentir tua mão em minhas coxas
Quero sentir-me crua

Quero sentir os teus olhos exploradores
Encarando toda a minha insensatez
Quero sentir-me nua

Quero sentir o teu hálito em meu pescoço
E a tua boca conversando com meu desejo
Quero sentir-me tua


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Proseando...

Passageiros

     Todos tivemos grandes amores na nossa vida. Uns permanecem para todo o sempre. Os que não o fazem, só significa que permaneceram o tempo que era necessário. As vezes eles simplesmente passam, formando, assim, o ciclo inexorável da vida, repleta de encontros e desencontros, forçando o nosso amadurecimento e autoconhecimento.

     Ela teve vários amores (tal qual muitos de nós), mas ela teve esse! Um amor enorme que não cabia no peito e que, infelizmente, rompeu-se. Ela e ele ficaram bem, depois da separação, e mantiveram o contato sempre que possível. Às vezes ela o admira de longe, às vezes gostaria que ele ainda estivesse por perto. É um amor verdadeiro que aceita tudo, inclusive a distância.

     Certo dia, um toque à sua porta e ela foi atender. Quando abriu, era ele. Ela o viu e respirou tão profundamente a ponto de se surpreender com a quantidade de ar que poderia caber em seu pulmão. Isso ao mesmo tempo em que seu coração e a própria respiração simplesmente pararam. Coisas que parecem impossíveis mas são reais, a gente sabe disso! E ele estava outra vez diante dela e ela estava completamente sem reação, tamanha era a sua surpresa.

     Os olhos dele, que estavam voltados para baixo, foram subindo devagarinho e olharam-na novamente, naquela noite fria de janeiro. Há quanto tempo que seus olhares não se encontravam assim? Ela procurou em sua memória mas nada estava acessível naquele momento, principalmente porque o que ela viu no olhar dele era de uma profundidade que somente uma grande tristeza pode trazer.

     Ela percebeu, de pronto, que seus olhos precisavam ser abraçados. Pediu para que ele entrasse. Fê-lo sentar e foi preparar um chocolate quente, como nos velhos tempos, mesmo sob os protestos emanados por ele. Queria confortá-lo e faria tudo o que estivesse ao seu alcance.

    Ao sentar em frente a ele e oferecer-lhe o chocolate recém feito – que ele acabou aceitando, ela pôde constatar que ele a olhava com olhos de tristeza, uma desolação tão profunda que só poderia ter um motivo: a perda de um amor! Ela não quis perguntar nada. Esperou pelo tempo dele. E ele, olhava a casa, parecendo que ele a estava avaliando, mas, na verdade, ele só olhava o vazio, várias e várias direções de vazio. Por vezes ele olhava para ela, sem que necessariamente a visse.

    Depois de vários olhares para o aposento e poucos goles de chocolate, ele disse simplesmente: “Meu grande amor se foi!”, o que talvez nem necessário fosse, era quase óbvio que se tratava do martírio de uma quebra, de um fim. Aos poucos, acanhado e sofrido, ele foi contando o desenrolar da história, de como ele amava certa pessoa, de como haviam vividos momentos felizes e de como ela tinha ido embora de repente, deixando-o sem explicações e com o coração esfacelado. Por algum motivo ele escolhera ela para dividir esse momento e ela não ousaria questionar.

   Apesar da distância que os envolvera há tempos, seus laços sempre permaneceram e havia uma facilidade de comunicação e compreensão entre os dois há muito esquecida, por ambos. Aliás, talvez ele tenha se recordado disso e isso o teria feito entrar por uma porta que não mais visitava. Ela, por outro, estava surpresa e assustada, esforçava-se para não demonstrar nada que o fizesse se questionar da decisão que o levara até ali. Ele procurava por um suporte, e ela o seria, de bom grado.

     Mas... O que se faz diante disto? Ela se perguntava. Que conselhos dar à uma alma que chora a perda de um amor verdadeiro? Perder para a vida, perder para a morte... Perdas são perdas, é o cortar a sangue frio um pedaço de nosso próprio coração, de nossa essência. É tirar uma parte de nós... Ela deu o melhor de si, tentando manter a razão em meio a tanta emoção envolvida. Queria ser justa, mas não queria lhe dar falsas esperanças. Queria ser verdadeira mas de maneira nenhuma, cruel. Ela falou e o aconselhou como pôde, como somente os melhores amigos são capazes de fazer. Escutava e falava. Falava e escutava. O chocolate fora abandonado por ambos e ninguém se preocupava com isso. Um vínculo estava formado novamente e ela o ajudaria tanto quanto pudesse.

     E a despeito de todo o esforço que ela fazia para se conter, suas lágrimas rolaram no momento em que as dele, enfim, alcançaram o mundo exterior. As dele, claro, vieram aos montes, pois estavam enjauladas durante toda a conversa, empurrando as grades em busca de liberdade, enfim encontrada. As dela, todavia, foram silenciosas, sorrateiras e vinham solitárias, uma a uma. Nesse momento não havia mais nada a ser dito, então, as lágrimas de um e de outro se encontraram e se misturaram em uma única poça de emoções quando do abraço apertado em que os dois mergulharam.

    Ela o amava tanto e era tão doloroso vê-lo daquele jeito. Queria simplesmente tirar toda a dor que consumia o coração dele e mandá-la para longe para nunca mais voltar. Mas quem, afinal, nunca viveu a perda de um amor? O amor, de certo, é para ser vivido enquanto dure, como já dizia o poeta. E nada dura para sempre. Ora ou outra a perda sobressairá ao amor. A distância ou a morte acabam sempre separando corações. A dor é excruciante, devastadora, mas ela passa! As tristezas passam... Assim como as alegrias. Não é assim que se vive, afinal?

     Depois de um bom tempo juntos, ele resolveu que era hora de partir. Ela poderia querer que ele ficasse mais, mas sabia que ele também precisava ficar sozinho para reorganizar seus pensamentos. Disse a ele, quando da despedida, enquadrados pela porta da frente de sua casa: “O tempo trará calma e conforto a seu coração, meu querido”, e o abraçou mais uma vez. Era bom e reconfortante tê-lo em seus braços novamente, apesar da ocasião tão atribulada.

    Mas, afinal, se estavam falando sobre a vida, ela mesma já havia entendido que as pessoas que se amam são separadas, por vezes, por tempos, por vidas... Então aproveitou este momento de reencontro, imaginando se o teria tão perto alguma outra vez. Ela assistiu à partida dele, ainda preocupada mas consciente de que ele tinha forças para superar e, de certo, assim como todos nós somos forçados, sobreviveria a esta dor.

     O amor é assim: continua existindo não importa a distância entre os amantes! Ele é feito de permanências e partidas, coração inteiros e em pedaços, vida e morte. Percebeu que ele também a amava, mas a vida quis assim, que estivessem separados. Ela o acompanhou de longe, junto com sua melhora paulatina, porém, eficaz. Ela sabia que ele não esqueceria daquele amor perdido em um janeiro já distante e sabia que talvez houvesse um reencontro dali para frente, ou talvez não. Vendo-o, à distância - o coração dele cicatrizado, o coração dela consciente - , pensou consigo mesma: “Nós talvez nos reencontremos daqui para frente... Talvez não...”

quarta-feira, 16 de março de 2016

Momento Poesia!

E quando dia estiver cinza
Use o seu azul e o tinja
Faça o que melhor faz
Colora tudo e um pouco mais

Use a sua melhor tinta
Aquela que nunca termina
Clareie de uma vez o dia
Feche os olhos e se divirta

Simplesmente sinta...
Talvez seja essa sua sina:
Fazer cantar o rouxinol
Fazer de dias de chuva, sol!


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Proseando...

Contos do céu e da neve. Parte IV. Parte final.


     O urso resolveu plantar uma semente de esperança no coração da pequena coruja em sua última despedida, achando que isto lhe faria mais animada. A esperança, de fato, é um sentimento muito forte, contudo, usado concomitantemente com uma mentira, pode ser cruel...

    A ave, entretanto, carregava em seu olhar de adeus a certeza de que nunca mais veria o seu grande amor. Sabia que aquele adeus era definitivo! Decidida estava de não mais regressar, pois, notara, era dona de uma felicidade incompleta e insuficiente para ela, afinal. Queria encontrar o contentamento pleno e deveria, então, procurar em outro lugar... Talvez mais perto de casa, certamente em outro olhar.

     Doloridamente fez da sua despedida de hoje, a última. Sabia que não mais valia insistir e não queria dificultar ainda mais as coisas para si mesma. Com um sorriso falso no rosto e uma última carícia das mãos felpudas do urso que tão grandes eram, quase a envolviam por completo, impulsionou-se no galho que sustentara tantas e tantas vezes esses dois seres da paradoxalidade.

     Mas isso era o que a coruja sabia: que era sua última despedida daquele gigante da neve que lhe aquecia o coração. O que ela não sabia é que esta seria a última despedida da sua vida. Não porque encontraria alguém do qual ela não mais precisaria se despedir. Quisera eu ter este final para lhe contar... O amor que a coruja teve pelo urso, todavia, terminaria em tragédia, bem como os maiores amores o são! E as lágrimas que embaçavam a visão da corujinha pelos ares ajudou este pequeno ser a não encarar o seu destino final.

     Quando a coruja começou o seu voo, não percebeu que suas asas estavam congeladas demais, machucadas demais para fazer a viagem completa. Ainda conseguiu, com muito esforço, alcançar o início da floresta. Estava tão desnorteada que acreditava que toda a sua dificuldade se dava por sua tristeza mórbida. Usava toda a força que possuía, mas que era insuficiente para manter seu corpo no ar.

     As asas pararam, afinal. Não mais batiam. Achou que era o seu coração. Fechou os olhos que nada viam e entregou-se à sua sorte. E, diferente do que a pequena ave pensava, seu coração atormentado ainda batia. Mas somente até o momento em que seu mergulho fatal chegou ao fim. Ao tocar sem nenhuma delicadeza o solo da floresta, suas asas congeladas se estilhaçaram no chão e por considerar que seu coração já estava em pedaços há tempos, a coruja sequer percebeu a dor da morte que, ao menos posso lhe dizer, foi instantânea.

     Este foi o fim da pequena ave: não mais visitou lugares gélidos e, tão pouco, voltou a alcançar a infinitude dos céus. Sequer pôde viver o grande amor que sempre sonhou... Talvez este tenha sido o fim que o destino traçou como o melhor para a corujinha, que já não teria forças para suportar outras angústias. Teve um encerramento cruel, mas que a livraria de todas as outras dores do amor. E, caso você não saiba - sinto ser eu a lhe dizer - este é o amor, afinal... Sempre há quem, de uma forma ou de outra, morra!